Ode à
loucura
O livro
“Holocausto Brasileiro” veio parar em minhas mãos por uma indicação indireta.
Um amigo, professor também de literatura, indicou este livro ao meu noivo, que,
por sua vez, falou dele para mim... assim... lá fui eu. Achei a proposta do
livro extremamente interessante e não demorei 10 dias para já adquiri-lo.
Confesso
que fiquei ainda mais empolgada, ironicamente, quando um amigo meu, oriundo de
Barbacena, me contou que a mãe havia trabalhado no manicômio referido no livro.
Ele diz se lembrar vagamente de ter conhecido um ou outro interno que ia jantar
com a família dele nas noites de Natal, pois a mãe por carinho e piedade os
convidava.
Fiquei intrigada
com esse horror e mais intrigada ainda com a nossa curiosidade humana em
estudar as piores tragédias. Estranho esse sentimento que nos atrai para a
violência. Acho-o ainda nem de todo ruim, pois é só conhecendo a violência que
a repudiamos, que a condenamos e que tentamos impedir que ela aconteça de novo -
talvez um pouco na mesma linha da Comissão da Verdade -, mas fiquei com um
pouco de medo de mim mesma.
O livro
se propõe a narrar a história de um dos mais famosos manicômios do Brasil, o
grande hospício de Barbacena, localizado em Minas Gerais, na cidade hoje
conhecida como o município da loucura, por conta das diversas casas de
recuperação que recebeu ao longo da história brasileira. Ele funcionou por mais
de 70 anos como um local de torturas, de animalização, de experimentos, muito
mais do que de reabilitação de seus internos.
A tese
da pesquisa é comparar o tratamento dado a esses pacientes, com o destinado aos
judeus e outros grupos durante o surto nazista. O primeiro argumento se vale da
seleção desses internos, que muitas vezes nada tinham de loucos, eram apenas
pobres, negros, mulheres que engravidaram antes de casar ou que lá foram
aprisionadas por seus maridos para que estes pudessem viver com suas amantes,
crianças indesejadas, bêbados, ou simplesmente pessoas que não se encaixavam
nas normas sociais por serem tristes demais. Ou seja, o mesmo preconceito
nazista, que matou tantos grupos simplesmente por não seguirem as regras
consideradas por uma minoria as corretas, ocorreu em Barbacena. O segundo
argumento se refere ao tratamento bestializante dado aos pacientes, que
passavam frio, fome, dormiam amontoados, faziam trabalho forçado para que
outros lucrassem, além de servirem de instrumentos a pesquisas de psicologia e,
depois de mortos, de peças para as faculdades de medicina da região.
O livro
é repleto de fotos chocantes, reveladoras e de nomes de pessoas que tentaram
ajudar a acabar com esse sistema repugnante, de deputados a Foucault, de
funcionários do estabelecimento a ex-internos.
Mas a
linguagem não me agradou. Um, há vários erros gramaticais no livro que deveriam
ter sido revisados. Dois, sei que é uma jornalista narrando uma história e que
ela deveria se manter sempre objetiva, mas, sério, tem outro lado a ser
defendido? Acho que ela poderia sim ter sido menos fria, pois sua voz narrativa
soou como indiferente, o que me incomodou ao extremo. Terceiro, o espaço e as
personagens não foram apresentados com a devida importância que mereciam. Não se
consegue imaginar o ambiente, porque ele mal foi descrito, não se sabe quantas
alas havia, onde ficava a cozinha, sala de banho, pavilhão infantil; não há
mapa, descrição, desenho, nada. A autora ignorou a arquitetura do lugar, o que
dificulta o entendimento de algumas cenas narradas por ela.
Sem contar
que a impressão geral que tive foi de um livro escrito com pressa, como um Frankstein
de crônicas e outros relatos já feitos por ela que foram juntados e alinhavados
sem fazer muito sentido juntos. Não há começo, meio e fim. Há cenas justapostas
e confusas.
Parece que
ela sabia tanto sobre o lugar que não conseguiu selecionar o que contar, ou que
foi obrigada a diminuir o espaço e teve de suprimir partes importantes. A maioria
das cenas são superficiais, não há aprofundamento de ação, personagens,
descrições, crítica. Nada. Há cenas mal contadas, cruas, frias; outras
repetidas; há personagens que somem e reaparecem nos causos sem propósito
estético e argumentativo algum.
O livro
tem o mesmo formato de “Estação Carandiru” ou “Carcereiros” de Dráuzio Varela,
mas não a mesma qualidade. Senti que o tema foi estragado, diminuído pela insensibilidade
da escrita e pela construção despropositada do livro. Mas ainda a leitura vale
muito a pena.
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