Historieta
de muitas verdades
Sabe
aquela sensação de já li isso em algum lugar? Tive isso duas vezes ao ler “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway.
A primeira foi a mais absurda, quando já estava lá pela página 60 de uma novela
de 110, pois me caiu a ficha de já tinha efetivamente lido este livro durante a
faculdade. Mas só a presença dos tubarões tão justos em sua natureza e tão
imorais frente à história me despertaram a atenção e a memória. Como podia ter
me esquecido do sofrimento de Santiago?
Mas foi
essa tristeza que me proporcionou a vida do personagem, sua obstinação em
cumprir uma missão para ele já quase impossível, que o levou quase à morte, à
loucura, que me fizeram sentir outro “click” na memória. Santiago por motivos
diferentes e com menos intensidade esbarra no capitão Ahab. O primeiro persegue seu peixe quase ao esgotar de
suas forças por honra, por fome, para manter a tradição, parasse provar, para
perder o azar, para ensinar o menino, para calar a boca de todos aqueles que
riam dele. O segundo ama e odeia sua baleia a tal ponto que todos os motivos
nobres que servem a Santiago se tornaram pura e vazia obsessão.
Esse
desejo do pescador em “O velho e o mar” é atenuado até pela linguagem
utilizada, que lembra Graciliano. O
personagem é pobre, velho, que ganhou educação da própria vida e que é mais
voltada ao mar do que às letras. As frases do narrador são curtas, suas
palavras são repetitivas, seus pensamentos são curtos – apesar de nunca rasos.
A pequenez da linguagem transforma o que é loucura em um em necessidade ao
outro.
Lindo
livro. Com uma bela imagem do mar criada pelo autor. Deixo um trecho para os
amantes de ambos.
“O
velho pensava sempre no mar como sendo la
mar, que é como lhe chamam em espanhol quando verdadeiramente o querem bem.
Às vezes aqueles que o amam lhe dão nomes vulgares, mas sempre como se fosse
uma mulher. Alguns dos pescadores mais novos, aqueles que usam boias como
flutuadores para suas linhas e têm barcos a motor, comprados quando os fígados
dos tubarões valiam muito dinheiro, ao falarem do mar dizem el mar, que é masculino. Fala do mar
como de um adversário, de um lugar ou mesmo de um inimigo. Entretanto, o velho
pescador pensava sempre no mar no feminino e como se fosse uma coisa que
concedesse ou negasse grandes favores; mas se o mar praticasse selvagerias ou
crueldades era só porque não podia evita-lo. ‘A lua afeta o mar tal como afeta
as mulheres’, refletiu o velho.”
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