Um
estranho no ninho
O “Memórias” é uma antítese ambulante. Primeiro, porque
não são memórias. Nosso narrador é em terceira pessoa e nada tem a ver com a
história. Não é personagem. Nem viveu no tempo delas. Ele narra a história das
peripécias de Leonardo e sua trupe mais de 20 anos depois do ocorrido.
Segundo, o livro está inserido na escola romântica, por
ter sido escrito nesta época, mas não compreende um romance romântico
propriamente dito. Ele é um patinho feio. Uma exceção. Manuel Antônio de Almeida
o escreveu por precisar de dinheiro para manter a família que, além de ser de
classe média, era órfã do provedor, o pai. O autor cursava medicina e
contribuía com o jornal “Correio Mercantil” no caderno dominical bem humorado e
liberal, “A Pacotilha”. Por isso, talvez, o livro se mostre tão satírico assim:
para atrair maior público e pelo local em que era impresso como folhetim.
Não há qualquer tipo de idealização, nacionalismo ou
sentimentalismo exagerado, comuns ao Romantismo. Os exageros talvez apareçam
para tornar as cenas engraçadas, mais ainda assim, bastantes características da
primeira metade do século XIX.
A classe
média é colocada em cheque e vira, pela primeira vez, objeto de análise. Por isso
o livro é por muitos chamado de romance documental, histórico, caricatural ou episódico.
Nele, as festas, procissões, batizados, costumes, vestimentas, linguagem,
locais comuns e valores desse estamento social são expostos de uma maneira
muito divertida, sem realmente fazer uma crítica a eles. Um tanto quando a la
Alencar, ao retratar essas mesmas características do interior do Brasil em “Til”, mas sem todo o nacionalismo e
enfoque à natureza. As outras classes sociais são completamente excluídas. Negros
aparecem como mero ornamento decorativo e não recebem o olhar crítico ou
humorístico do autor. O mesmo se dá com a elite, que não é nem sequer citada, a
não ser pela D. Maria, a personagem mais bem posicionada economicamente na
história.
Por ser
caricatural, suas personagens são planas: não evoluem ao longo da história; e
também, tipo: representam um grupo social e não um indivíduo em particular. Por
isso muitas delas não têm nome, ou sobrenome. E todas elas sambam na corda que ora
pende para o lado da ordem, da lei, da bondade; ora para o lado da desordem, da
corrupção, do jeitinho brasileiro e da vingança. O livro, portanto, não é
maniqueísta. É sim um retrato de grupos característicos de uma certa sociedade,
sem qualquer tipo de embelezamento.
Vamos,
ao longo da leitura, acompanhando a vagabundice de Leonardo, o dedo podre para
o amor de Pataca, a timidez de Luisinha, as chatonices da vizinha, a inocência
do padrinho, as fofocas de D. Maria e da comadre, as perseguições de Vidigal;
mas tudo num fio cronológico, porém pouco conectado entre si. O enredo parece
ser muito tênue e desimportante, pois as cenas, os episódios são muito mais
significativos para o propósito do autor.
O livro
é interessante, possui uma linguagem acessível. Mas é raso.
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